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Depois de dias de folia e doideiras, muita bebida, chega a hora de voltar. Levanta acampamento. Ensaca tudo. Roupas, utensílios, biquínis, tanto papel, tanto lixo. Bota tudo no carro. Se despede dos amigos, com a promessa de que, ano que vem, estarem todos lá novamente.
Patrícia, a minha irmã, volta com o Fabinho.
Misto de amigo-namorado. Entram na S-20, saindo de Rio das Ostras para o Rio de Janeiro. São 16 horas de quarta-feira de Cinzas. Daqui a 4 horas estaremos no Rio. Descontando os engarrafamentos, as paradinhas básicas, chegaremos na hora do jantar. Pegam a estrada. Vem ouvindo samba, pagode, axé, rock, rap, hip-hop, o que tocar.
Vem conversando animadamente. Vem tão distraídos falando bobagens, contando e rindo dos micos que pagaram, todas as besteiras que fizeram que quando dão por si estão numa estradinha de terra batida. Estranham mas continuam a viagem. Está anoitecendo. Mato de ambos os lados. Sem iluminação pública. Nada. É uma estradinha curta, um atalho, imaginam.
Fabinho, que não vale nada, começa a falar sobre os espíritos que, às vezes falam com ele. Fala do centro espírita que frequenta, que ele é médium. Para assustar. Sabe que a Patrícia tem horror a isto. Não vê nem filme de terror. Tem medo. Fez xixi na cama até 9 anos de idade por medo de passar pelo corredor escuro e ir ao banheiro sozinha.
19 horas.
Gente, a estrada não acaba mais. Estamos perdidos. Nenhuma luzinha, nenhuma casa pra pedir auxilio. Voltar não dá. A estrada tem que acabar em algum lugar.
De repente, um vulto. Fabinho olha pra Patrícia e diz:
— Eles estão aqui. Lá fora.
Patrícia arrepia de medo, dá uns tapas no Fabinho.
— Droga!!! Pára de me assustar!! Vc sabe que não gosto dessas coisas.
Olha lá fora. Muitos. Um ao lado do outro. Estáticos. Parados. Sem expressão. Velhos. Velhas. Muitos. Incontáveis. Vestidos surradamente. Camisas puídas pelo uso. Zumbis.
Patrícia não sabe o que fazer.
— Corre, Fabinho, acelera esse carro!!! Vamos embora daqui!!!
Fabinho pisa fundo. 100, 110,120... 140 km e o carro não sai do lugar.
Patrícia começa a chorar, a pedir perdão a Deus. Ela não quer morrer.
Fabinho pede:
— Fica calma, fica calma. Não vai acontecer nada com a gente. São espíritos.
Patrícia quer sair dali, pede pra ir mais rápido. Olha no painel: 150 km... Bota a mão pra fora do carro e não sente o vento. Tudo parado. Não tem nada lá fora, presos na estrada sem fim. Nenhum animal, nem pássaros, nem gado.
Apenas aqueles olhos.
Patrícia sente, com horror, aqueles olhos terríveis a acompanhando.
Vê uma velha. Os olhos dela a acompanham. Ela vê o globo ocular se virar para direita, vagarosamente. Como estivesse em câmera lenta... um pânico a acomete.. ela grita sem parar... pede socorro ao Fabinho.. ele também está assustado, são tantos, um ao lado do outro... até onde o farol alto alcança naquela escuridão.
Vêem formas de casas antiqüíssimas, velhas, decrépitas e galpões em ruínas, aquelas cercas quebradas, como se fosse do século passado e há muito nada vivesse naquele lugar abandonado.
Seriam espíritos de escravos??
Olha o relógio.. 22 horas..
Eu não quero morrer!!!! Não quero morrer!!! Mãe!!!! Me ajuda!!!
Sente que a querem.. que vão segui-la até a morte... até a conseguirem.
Pensa nas merdas que fez, nas sacanagens todas, vou pro inferno...
Mãe.. me ajuda... Deus não me deixa morrer!!!
É a ultima coisa que lembra. Quando abrem os olhos estão dentro do carro, no acostamento, numa clareira, numa estradinha. Olham em volta.
É dia!!!! Sete e meia da manhã de quinta.
Onde estamos??? Abrem a boca juntos, vomitam palavras, atropeladamente!!
Você viu??? Foi um pesadelo??
Alucinação?? Porra, Fabinho, eu não cheirei nada, não ingeri nada. Viu o mesmo que eu??? O que era aquilo??
A estrada principal estava a 30 metros dali. Olham em volta novamente.
Onde estamos???
TERESÓPOLIS???
Mas como??? Como viemos parar em Teresópolis?? Como???
Mudos. Sem explicação. Chegam em casa. Patrícia, ainda em choque, dá um tchau e com um sorriso pálido despede-se do Fabinho. Depois a gente se fala...
Pega a mochila, sobe as escadas, abre a porta.
— O que aconteceu com você, Patrícia???????????
Minha mãe grita ao vê-la.
Eu ouvi você chamando por mim a noite toda. Estou sem dormir até agora orando e esperando você chegar. Desaba o choro. Patrícia conta tudo, tremendo, soluçando... Dorme o dia inteiro. Tem pesadelos.
Chego lá de noite pra vê-la.
Minha mãe estava preocupada.
Sentei no sofá da sala e de repente um estrondo no quarto onde Patrícia estava.
Corremos pra lá mas antes que chegássemos ela passa por nós no corredor, derrubando tudo pela frente. Olhos esbugalhados, gritando aterrorizada:
— ELA ESTÀ AQUI!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
— Quem está aqui??
— A VELHA, A VELHA DA ESTRADA ESTÁ NO QUARTO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Ainda me arrepio ao lembrar disso.
Claro que não havia nada lá. Minha mãe começa a orar alto. Patrícia está descontrolada, chorando.. dou água com açúcar, a abraço e faço carinho, dizendo que está tudo bem, que já passou.
No dia seguinte é internada. Uma febre altíssima e dores na barriga inexplicáveis. Ela pediu pra que eu ligasse pro Fabinho. Queria saber se ele estava bem, se a velha da estrada não tinha ido lá. Pediu e chorou tanto que, vencida, fui pro orelhão ligar pro tal Fabinho.
— Fabinho está??
— Não. Diz a voz.
— Posso deixar recado?
— Fabinho está internado.
Fico muda. Não sei o que dizer. Que raio de chá de cogumelo esses dois beberam, comeram, sei lá o quê?????
— Ele está bem? É grave?
— Não sei bem. Liga pro celular.
Minha irmã ficou duas semanas sendo estudada, no hospital da AMIL. Fez todos os exames, queriam fazer uma cirurgia exploratória pra saber o que ela tinha mas não permiti. Ela ficou boa. Os médicos não souberam dizer exatamente o que ela teve.
De vez em quando a gente fala sobre isso. Ela jura, que não cheirou nada, não bebeu nada, não injetou nada. Às vezes penso que o Fabinho pode ter dado um alucinógeno sem ela saber. Daqueles que ligam e desligam por semanas. Ela tem certeza que não. Os médicos também fizeram exames toxicológicos e não apareceu traço nenhum de droga. Ela deve ter razão.
Foi uma visão, uma aparição. Espíritos, demônios, seja lá o que forem. Só encontro essa explicação. Mas como os dois viram a mesma coisa?? Já ouvi falar em alucinação em massa mas isso é ridículo.
O que mais me intriga é que todo mundo que conheço já foi e voltou N vezes de lá e nunca, nunca viram estradinha nenhuma ali. Nunca se perderam. Nunca viram nada de estranho. Por muito, muito tempo ela não dormia sozinha e nem de luz apagada. Não fica sozinha em casa nem a pau. Nunca mais eles se viram. Mas a experiência macabra ficou, para sempre, marcada na alma da Patricia. Mais uma para coletânea da família Vieira.
< por: Adriana />
< Postagem original publicada em 10/02/2011 ás 18h49 no Aposentado Blog Histórias Sobrenaturais />